Teoria geral da poluição visual



Reconheço, envergonhado: não gosto de designers gráficos ou tipos do marketing.

Não é uma questão pessoal; é uma questão profissional, pois eles poluem o panorama visual das nossas cidades.

Cores primárias usadas sem critério estético ou artístico, vai tudo a eito. Não há aqui o rigor quase zen de um Piet Mondrian, a aparente anarquia de uma tela suprematista de Malevich, uma construção geométrica imaginária de Kupka, uma improvisação cromática de Kandinsky; não, nada disso. 

Nada de poesia visual, apenas poluição visual.

Tudo o que uma sondagem ou estudo de mercado ou folha de excel lhes aponte para maiores lucros, é certo e sabido que é o que eles usam: o cliente fica satisfeito em ser enganado com informações aparentemente científicas e o cliente final, versus cobaia, aka homem comum; esse, fica sempre a perder.


Muito mal se diz neste país do condutor de carro. 

Ora, estar atento, no interior, à embraiagem/ travão/ acelerador/ mudanças e ainda estar atento, no exterior, a peões/ passadeiras/ sinais de trânsito/ publicidade, tudo isto, me perdoem, é demais para um só ser humano com dois muito atarefados olhos. Reacções tardias muitas vezes não se devem a má educação – antes a uma infindável poluição visual que é um verdadeiro caos de prioridades, para quem tem de decidir em fracção de segundo.


Vem isto a propósito de um outro tipo de poluição visual: a pintura.

A arte também pode ser um tipo de poluição visual? Resposta: porque não ? Hitler achava que sim. E muitas outras pessoas que nada têm a ver com este nefasto regime pseudo- democrático também o pensam, mas não o dizem. E o relativismo técnico e artístico a que assistimos e que contaminou irreversivelmente a arte contemporânea apenas adia eternamente uma resposta concreta a uma pergunta que toda a gente faz.

A obra de Paula Rego, aparentemente, está neste lote restrito:

. Os rostos animalescos da fase madura;

. As personagens confusas da primeira fase;

. A composição visual ambígua de personagens da grande maioria das suas telas;

, e a sua argumentação e a sua personalidade apenas adensam a dúvida: é esta obra, no seu todo, enquadrável no odiento conceito de “Arte Degenerada” do regime nazi ?


Mas há uma outra questão mais premente e inquietante que todos nos devemos colocar: quantas destas ideias correspondem a valores humanos e sociais profundos e quando vão elas voltar ao debate público, sob novas roupagens, para nos assombrar e levantar alguns esqueletos do armário..?

Lembremo-nos que muitas telas de dezenas de artistas foram confiscadas, exibidas perante o escárnio incutido em populações manietadas e por fim destruídos ou vendidos pela porta do cavalo, rendendo lucros astronómicos, a bem do esforço de guerra ou do bolso fundo de alguns.


Mas, estará Paula Rego sozinha nesta ambivalente lista ?

Não. Nem por sombras. 

Também Egon Schiele. Também Kirschner. Ou Munch, Van Gogh, e quase todos os expressionistas entram na lista.

Uma visão alterada das coisas, da realidade exterior ao artista. No caso de Rego, uma visão muito particular da relação entre masculino/ feminino, que impregna toda a sua obra.

Apesar desta compartimentação obviamente política ser claramente indefensável, talvez seja benéfico voltar a discutir conceitos essenciais, em arte, para variar do marasmo e da aceitação acrítica de tudo o que os galeristas queiram inflaccionar no mercado..


Na escola de arte de Lisboa Ar.CO, onde estive meio ano, havia espalhados na zona da pintura posters com pinturas de Rego. Quase posso jurar que até no tecto havia reproduções de pinturas dela !

Porquê? Porque seria ?

. Não por ser uma artista especial. 

. Não por ser amada entre os artistas. 

. Não. Nada disso.

A sensação que tive foi a de um provincianismo algo torpe e grotesco: ali estava uma pintora portuguesa que era altamente considerada em Londres e, a partir daí, um nome consagrado nas artes mundiais.

A verdade era esta: todos os aspirantes a pintores na Ar.CO queriam ter o seu sucesso.


Confesso: prefiro a depressão de Miró. Prefiro a mal escondida depressão de Picasso, e a de Joseph Beuys e a de Niki de Saint Phalle e a de muitos outros pintores.

Sabem porquê? 

Porque esses grandes artistas usaram a pintura como metáfora e como terapia; mais que uma possível cura para o seu frágil estado psicológico, ela foi uma ferramenta de transformação social; não me atiraram a sua depressão à cara, como se de alguma vaga acusação se tratasse.


A diferença entre Francis Bacon e Paula Rego, por exemplo, talvez esteja aí:

. Francis Bacon é destrutivo mas constrói uma outra perspectiva sobre a realidade;

. Já Paula Rego constrói um labirinto interno, uma teia de sentimentos sombrios dos quais não se consegue libertar.


Aquilo que em outros artistas é uma alavanca criativa avançada, na obra de Rego fica-se pela primeira fase e o instrumento criativo torna-se, ele próprio, em objectivo final.

E se por esta altura da sua vida ainda não se conseguiu libertar deste estado psicológico, temo que nunca o conseguirá fazer.

É pena. É uma pena para a sua vida pessoal.


Mas é uma pena ainda maior que um país de tão grandes talentos continue a adorar o chão que ela pisa e onde ela por vezes tropeça, sendo que a sua obra evidencia uma visão distorcida, e porque não dizê-lo, doentia, de quem olha para a vida por uma lente desfocada, crendo que é essa a realidade.


É uma enorme pintora ? Sim, é. Não haja dúvidas, ninguém as tem.


E, no entanto…

- Vieira da Silva era amada;

- Paula Rego é invejada.


E isso fazia – e faz – toda a diferença do mundo.


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