A maior telenovela de sempre



Eusébio é nome de craque da bola, o mítico Pantera Negra, que em muitos países por esse mundo fora ainda é venerado, justamente reconhecido e citado em todas as listas dos melhores jogadores de todos os tempos, ombreando com nomes tão ilustres como Di Stéfano, Cruyff, Beckenbauer, Pelé (com quem manteve uma cavalheiresca e célebre rivalidade), o mais actual e problemático Maradona, etc.

Mas Eusébio é também nome de novela sul- americana, bem ao nosso estilo tuga, um estilo sem grande estilo, pobrezinho na técnica e ainda pior de conteúdo: não é bem Roque Santeiro, é mais Morangos com açúcar e coisas que tal.


Corria o já longínquo ano de mil novecentos e troca o passo (61, creio), e o Sporting de Moçambique informava o Sporting da metrópole sobre um talento puro, que tinha despontado em equipas de futebol de rua, sendo que numa delas - os "Brasileiros", um moço- poço de energia e talento abrira os olhos a muito bons olheiros que, lá como cá, costumam dormir na forma em pleno serviço. Só que a coisa era demasiado evidente, e alguns parece que acordaram a tempo para ir a tempo de constatar o óbvio.


Vou tentar ser breve e vou tentar ser objectivo, daquilo que me lembro e que li deste caso. Relembro que eu não sou nem a pessoa mais informada nem a mais fiável sobre este caso, portanto todos os comentários construtivos para esclarecer e complementar este artigo são mais do que bem vindos. 


O Sporting de Moçambique exigiu ao Sporting- mãe um determinado montante para libertar este muito especial jogador, permitindo que ele pudesse fazer as malas rumo a Portugal. Andaram uns meses às turras por causa disto, sem contudo a situação avançar minimamente: as posições iniciais de ambos os lados mantinham-se e a família de Eusébio assistia a este ping- pong interminável e a esta indefinição na 1ª fila de um triste espectáculo que nem merecia o preço do bilhete. Por esta altura a mãe de Eusébio até equacionava que este deixasse de jogar à bola e fosse trabalhar, segundo sei.

Ora, o Benfica soube da história - que por aquela altura já seria muito provavelmente motivo de risota nacional, tanto em Moçambique como em alguns círculos em Portugal -, avaliou atempadamente o real valor deste fenómeno africano, e foi sério na abordagem. 

"- Sério? Chamas a isto sério!??", perguntam-me os meus muito amigos mas despeitados sportinguistas.

Eu explico, eu vou explicar devagar devagarinho: o Benfica enviou uma comitiva de 2 ou 3 dirigentes, e foram falar directamente com a mãe de Eusébio. Ora, fiquem sabendo que isto é que é ser sério e isto é que é respeitar a vontade das pessoas e as tradições culturais africanas: falar com elas directamente e deixar a trapalhada dos contratos e do jurídico para mais tarde.

Quando, algumas horas mais tarde, esses dirigentes se despediram da mãe de Eusébio, tinham com eles uma coisa mais verdadeira, mais autêntica, mais honesta do que contratos disto ou contratos daquilo: tinham a palavra de honra de um ser humano que, por muito pobre que fosse - e consta que era mesmo muito pobre - ainda sabia o valor de uma palavra de honra e uma conduta honesta. Neste contexto, a acusação de jogo baixo e leves insinuações de “suborno” - cheia da tão habitual soberba e falsa nobreza - que o Sporting lançou ao Benfica (e que incrivelmente ainda subsiste e nunca foi desmentida) é, ela sim, jogo baixo e um autêntico insulto ao bom nome da família de Eusébio. 

E venha agora algum sportinguista acusar-me de ser mentiroso. Não aparece ninguém pois ainda há testemunhas presenciais vivas e ainda há a memória da própria família de Eusébio, que não me deixará por certo mentir sobre esta situação. 

Ora, é este tipo de pessoas que eu, como benfiquista, quero para o meu glorioso. Não quero mercenários. Não quero cebolas podres descascadas ou por descascar, não quero veraneantes Sokotas, nem Álvaros Pereiras, ou Sobreiros, nem muito menos Falcões arraçados de Milhafres ou Rolas: no fundo, não me agradam intrujões em geral que, por muito menos de 30 dinheiros, se vendem ao maior licitador que aparecer lá em sua casa ou nos arredores do seu clube. Quero apenas uma e uma só coisa: pessoas com palavra de honra, e que honrem o que disseram e ainda se lembrem do que acordaram no dia anterior! E ponto final parágrafo, que estamos conversados sobre este assunto.


Bom, mas se acham que a novela tinha acabado, nada disso! A novela prolongou-se no território português, uma vez que o Sporting - qual náufrago desesperado por uma bóia de salvação qualquer - decidiu agarrar-se a dúbias cláusulas jurídicas, tornando a vida de Eusébio um verdadeiro inferno durante umas boas semanas. Eusébio teve até de embarcar no avião para Lisboa sob um nome falso, um nome de mulher! E depois foi direitinho para umas férias forçadas no Algarve, segundo me lembro, para curar a hipocrisia e teimosia sportinguista, como quem cura uma infantil bebedeira.


Agora, e para terminar esta que foi a mais mítica - e curiosamente a de mais baixo orçamento - novela do futebol português, deixem-me esclarecê-los completamente sobre a importância relativa das coisas, hoje, naquela altura, e sempre: o Benfica da época era uma máquina infernal. O pequeno mas genial Simões, o mago Coluna, o gigantesco Torres, um onze de sonho que foi até considerado há alguns poucos anos a 9ª melhor equipa europeia de sempre! 

Quando Eusébio chegou, o Benfica era já campeão europeu! Eu repito: já era! já era campeão europeu! Nesse ano, o Benfica foi de novo campeão europeu, com Eusébio a brilhar tão alto no seu ano de estreia no futebol europeu, que desde aí a lenda apenas aumentou, ano após ano após ano. 

Duplo bota de ouro, um dos melhores avançados- puros da História do futebol... ouço muitas vezes: 

"- Ah, se ele ao menos tivesse vindo para o meu Sporting..." 

Meus amigos, se ele tivesse ido para o Sporting nunca teria tido esta visibilidade internacional, nunca na vida!, nem nunca teria sido a lenda que foi! 

Liedson ou Balakov ou Figo ou o cometa- Rickaard podem contar-vos a história toda, se a quiserem ouvir algum dia, coisa que eu duvido que queiram!!

Ou seja, meus simpáticos e pouco esclarecidos e pouco conhecedores sportinguistas: devemos sempre relativizar as coisas.


Creio que a novela termina aqui. No entanto, se alguém tiver algum trunfo na manga - ou seja, alguma informação útil que esclareça o caso sob outra perspectiva -, cá estarei para reabrir o processo, que por mim este caso não vai prescrever como outros que andam pelos nossos muito lentos tribunais! Enquanto isso não acontece, abraço a todos, e saudações gloriosas!



P.S.: Srª mãe de Eusébio, a senhora honrou a sua palavra, e manteve o bom nome da sua família intacto. Que Deus a guarde bem junto de si. Um imenso, eterno, humilde: "Muito obrigado".

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