O leiloeiro de cara à banda
Pois é. Ah, pois é.
As leiloeiras e as galerias
de renome e os marchands e – como diria Sérgio Conceição – “As toupeiras e essa
bicharada toda” estavam a dormir no
pedaço, parafraseando os nossos irmãos brasileiros.
Puseram-se mesmo a jeito e
fizeram por merecer esta bofetada de luva branca e já agora, de colarinho
branco também.
A uma histórica e atávica
falta de corporativismo da classe artística – em que cada um puxa para o seu
próprio umbigo e em que sub- classes como os actores, músicos e humoristas
levam a palma da popularidade e da atenção mediática, um artista plástico
chamou a si a tarefa de ridicularizar a faceta negócio e a faceta mercado,
nesta tão nobre actividade criativa.
Fê-lo com um hara- kiri
genial, destruindo a sua obra perante os olhos incrédulos de quem, não só não
estava à espera daquilo, como não percebia patavina do que estava a acontecer
diante dos seus rostos.
Ora, o negócio e o mercado
reagiram da única e completamente estúpida maneira que sabem: perante o
inesperado, não pedem explicações ao artista, pois isso seria perder tempo – inflacionam
imediatamente o preço da obra, ou o seu valor, o que vai a dar no mesmo, pois
isso é a única coisa que sabem fazer: a única linguagem que entendem é a do
cifrão.
. Será este o mais mediático e
espectacular golpe que um artista visual aplica no mercado, de forma visível e directa
? - Sim, provavelmente será.
. Mas… será exemplo único ? - Nem por sombras.
Para só recordar o óbvio, a
arte conceptual defende que a arte é ideia, e só deverá existir em pensamento,
e talvez por isso mesmo muitas das suas acções são apenas fotografadas e são
esses registos fotográficos que são no final comercializados, para ajudar a
financiar obras futuras desse(s) artista(s).
Indo um pouco mais longe
nesta sucinta análise, a arte efémera existe apenas por um breve período de
tempo, e os seus produtos são muitas vezes destruídos.
Já o happening é um movimento
artístico que defende uma visão teatral da arte e leva a cabo performances –
novamente a ideia em si é mais forte e importante do que cristalizar essa ideia
num objecto físico.
Portanto, esta acção de
Banksy situa-se muito provavelmente na intersecção destas vertentes mais
radicais da arte – mas que existem e se têm desenvolvido desde os anos 60 (ou
mesmo antes, se considerarmos os exemplos de Duchamp ou Malévich uma origem histórica
da atitude conceptual).
Pessoalmente, considero que
a obra de arte mais próxima desta acção de sabotagem é mesmo o “Desenho apagado
de De Kooning”, levado a cabo pelo então jovem Robert Rauschenberg. Este
artista pediu um desenho ao artista já consagrado de Kooning, que tinha criado
a influente série Mulheres, que mesclava magistralmente o figurativo e o abstracto, e disse-lhe que queria
apagar o seu desenho. De Kooning deve ter achado piada à ideia e Rauschenberg esteve
a apagar durante dias – Dias ! – este desenho, que foi depois apresentado em
público e é hoje encarado como um marco da arte mais inovadora daquela época,
tendo ficado com um lugar especial na história da arte contemporânea.
Para um exemplo mais recente, o controverso Ai Weiwei pintou e esmagou vasos chineses de uma antiguidade incrível, para obter um efeito mediático semelhante. Estas são acções que são obras de arte em si mesmas - é a atitude, o pensamento, a ideia, o essencial.
Para um exemplo mais recente, o controverso Ai Weiwei pintou e esmagou vasos chineses de uma antiguidade incrível, para obter um efeito mediático semelhante. Estas são acções que são obras de arte em si mesmas - é a atitude, o pensamento, a ideia, o essencial.
Agora, o problema mantém-se:
o artista enquanto exemplo, enquanto “ilha de liberdade” – segundo Tàpies ou
Saramago – está a ser completamente submergido pelos intermediários da arte –
sejam eles agentes oportunos e ambiciosos como Saatchi, galeristas já
estabelecidos com negócios de milhões, e toda a gente, sem excepção, vive desta
inflacção galopante neste mercado, tentando puxar a brasa à sua sardinha de um
modo descarado.
O problema não é a atitude
de Banksy; o problema são no fundo dois problemas:
1. O sistema instituído de valorização
de obras de arte não fazer qualquer sentido (museus incluídos, pois fazem o mesmíssimo jogo dos demais, legitimando coisas incríveis)
2. E sobretudo – não haver
mais, muitos mais Banksys
Portanto: volta, Joseph
Beuys, que estás completamente perdoado…
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