Mudar a Moda






Em princípio, em teoria, nada tenho contra as modas.

Mas, na prática, analiso bem e vejo que há um mundo de razões para temer essas mesmas modas.


Vou citar algumas que aconteceram – mais ou menos recentemente - no mundo da arte:

- Impressionismo, que foi a princípio gozado por todos: público, críticos, galeristas, etc etc etc e que depois, passada a tempestade de indiferença e escárnio,  foi preparado cautelosamente por alguns marchands para ser uma nova – e muito lucrativa – moda;

- Pop Art, um dos movimentos artísticos mais amados e também mais básicos de que há memória, algo que realmente só poderia ter sido criado na América, com um fútil e gozão Andy Warhol ao leme;

- Graffiti, impulsionado pela cultura do hip hop, por todo o contexto do sistema social norte americano e por essa criança índigo chamada de Jean- Michel Basquiat;

- Todas as tendências da Arte Conceptual: minimalismo, land art e o seu registo fotográfico, abstracto radical, instalação, performance, arte pobre etc etc etc;

- E, agora, no seguimento do graffiti e aproveitando todo um enorme conjunto de técnicas inovadoras, desde rebentar paredes aos sprays e stencils, “aparece” a Street Art: nomes como Vhils e Bordalo II estão definitivamente na moda.


Sobre a razão de ser tão popular, perguntem aos patrões do imobiliário, aos operadores de turismo “cultural”, às Câmaras e Juntas de Freguesia, e a mais uns quantos que andam por aí, que não ligam grande coisa aos artistas de cavalete e tela, mas que quando vêm a imagem em tamanho XXL ficam logo interessados (penso que têm grandes problemas de vista – pelo menos grandes carteiras essas têm-nas).


Breve diferença entre Graffiti e Street Art, segundo o website Street Art Brazil:
“A Street Art, uma vez que é algo mais recente, com pouca história ou regras, estilos, técnicas, geralmente não tem grupos e existe uma rivalidade menor entre os próprios artistas urbanos.  Mas como a Street Art tem uma grande expressão individual, ela desenvolve mais o lado egocêntrico da arte, onde alguns artistas precisam que o seu ego seja alimentado.
Street Art, por estar mais relacionada com o desenho e a imagem, tem uma capacidade de cativar as pessoas, como parte de sua experiência do dia-a-dia. Com o Graffiti, por estar mais relacionado com a escrita e as letras, o público torna-se parte de algo mais pessoal e subversivo.”
Não rejeito nem apoio esta “definição”, registo apenas.


Eu tenho sempre um receio óbvio: que as modas sejam lançadas no mercado por astutos empresários e os seus- não- muito- obscuros- génios do marketing, e não por motivos criativos profundos.

Digo isto porque quem manda no mercado da arte são estes mesmos empresários astutos e suas equipas de advogados e malta do marketing e não os artistas- eles- próprios !

Se duvidam, visitem a Art Basel ou a ArCO, e ficarão logo esclarecidos das reais intenções destes muito badalados especuladores- da- obra- dos- outros.


É essencial referir a influência – tantas vezes perniciosa – do movimento da arte conceptual, para se compreender a evolução da arte a partir dos anos 60 do século XX até aos dias de hoje, de uma arte contemporânea totalmente desestruturada em termos de figuras- chave e esteticamente descontrolada.

Para falar sobre as limitações do conceptual, chamo agora aqui o testemunho do monstro sagrado Antoni Tàpies, também para que se não pense que tudo isto são ideias apenas minhas, não partilhadas por outros artistas:


“Devido ao seu gosto por elaborar teorias, a arte conceptual tem assentado como uma luva aos estudiosos que estão habituados a trabalhar apenas com a “informação”. Tem sido o período ideal dos “ratos de biblioteca” e das mentalidades racionalistas não criativas. (…) Apesar de se apresentar com um lírio de pureza anticomercial na mão, hoje a arte conceptual é comprada e vendida como batatas. (…) É falso que os “conceptualistas” tenham eliminado a ideia de “objecto de arte”: praticamente todos têm feito objectos ou materializaram as suas ideias. (…) Também a ideia de que a contemplação de uma obra de arte seja uma atitude mística representa uma enorme ignorância por parte de alguns dos defensores desta forma artística.”


Mas para quê toda esta introdução ?, perguntam-me.

Pois bem: para falar de uma “obra” que nem é street art, nem conceptual, nem nada – porque não tem a mínima das mínimas noções de qualidade artística.

Uma obra que está visível na praia de Carcavelos graças ao marketing do canal de televisão National Geographic, acompanhada pela Câmara de Cascais, com o objectivo de promover a série “One strange rock”, apresentada pelo celebérrimo Will Smith, e que depois dessa galeria a céu aberto irá provavelmente direitinha para o “Museu” da Arte Urbana, em Cascais, não se sabe por alma de quem ou quê (ou quando, já agora).

Pelo menos é o que me pareceu ouvir, se estiver equivocado digam para eu alterar o texto.


É uma pena que o artista se tenha ficado pela ideia em si mesma e não tenha produzido uma obra de arte de valor intrínseco.

Ou seja: a série chama-se rocha - então nada mais fácil do que produzir uma rocha de lixo. 
Ai estamos ao pé do mar ? Então o material escolhido são os detritos que se apanham no mar.

Claro que o objecto em si está limitado pela própria narrativa desta série, que acentua a poluição nos mares.


Mas, o que é que este processo mental de conexão directa entre matéria e ideia, demonstra ?

No mínimo…

- Facilitismo,
- Interpretação literal, e…
- Criatividade nula !

A partir de lixo produziu um monte de lixo. Valor acrescentado ? Nenhum.

Artisticamente é igual a Zero !

"Isto" ir para um museu a seguir à estadia forçada na praia de Carcavelos, só mostra que a National Geographic quis um golpe publicitário imediato com um artista conhecido e não quer ter nada a ver com a promoção da qualidade nas artes plásticas.

Entre este monte de lixo e o pedregulho apresentado num museu de Los Angeles ou a inacreditável arte invisível (??) exibida e vendida por milhões e milhões, isto representa o pior da arte conceptual, uma mistura de land art com arte pobre com instalação, sem qualquer ligação ao estilo pessoal do street artist e o grande problema é que é uma fonte de gangrena que alastra e que afecta tudo o resto, desvalorizando o que artistas a sério produzem no dia a dia (e atenção que Bordalo II é um excelente artista).

Enfim, está nos limites dos limites do que pode ainda ser considerado arte.


Conclusão: mais uma oportunidade perdida ! E mais um "Museu" que fica manchado por se associar a um golpe de marketing óbvio.

E ainda se espantam algumas pessoas do porquê a arte contemporânea ter tão má reputação ?!!


Como diria o Ricardo Araújo Pereira num sketch bem apanhado dos Gato Fedorento: "- Senhor polícia, aquele restaurante enganou-me na refeição, vá depressa que ainda lá estão e prenda aqueles meliantes !"

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