Desafinar em Dó menor





Já vi e ouvi muita coisa no mundo da música e nos seus intérpretes mais criativos:

- A excentricidade crónica de um Tom Waits aparentemente eternamente embriagado: megafones, gambiarras, cigarros em barda, anedotas desbragadas, uma voz que se divide em duas tonalidades, e uma miríade de outros artefactos mais ou menos pirotécnicos;

- O arroto de Jim Morrison no Hollywood Bowl, as divagações sobre gafanhotos, os insultos ao público e comportamento lascivo no incidente em Miami e ainda as cenas maradas com a sua mãe no The End;

- Ozzy Osbourne e a cena da galinha e do morcego e bastantes mais etceteras;

- Frank Zappa e a lenda do defecar em palco e provar do seu próprio remédio, entremeado de um concurso de nojice à desgarrada com um espectador;

- Os concertos de 10 minutos e voltados de costas para o público de uns revolucionários Jesus and Mary Chain;

- A tirada de gosto duvidoso de Freddie Mercury no concerto mais memorável da história do rock, em pleno estádio Wembley;

- A auto destruição de um genial mas perturbado Charlie Parker, a cena do cavalo branco e muitas outras, que os amigos mais chegados sabiam de cor e salteado;

- As cenas de pugilato do incrivelmente doce (mas viciado em heroína) Chet Baker;

- A vida poética mas triste de Billie Holiday, incluindo as cenas no hospital.

Portanto, tendo sabido disto tudo, perguntam-me se não fiquei surpreendido com a piada tola de Salvador Sobral.

Sim, eu sei que o moço teve um momento zen, estilo épater le bourgeois a ver se pegava e eu, burguês dos sete costados desde pelo menos a morte de Brel, deveria ter ficado chocado com a provocação.

Pois, mas eu lamento; nem um pouco, nada de novo chegou a esta costa.

As circunstâncias não o aconselhavam: um concerto de solidariedade, devido à morte pelo fumo e pelo fogo de mais de meia centena de seres humanos.
Ou seja, dizer isto neste contexto é de um mau timing inacreditável, de alguém que, por muito que a sua equipa tente, nunca estará preparado para a fama.

Mas o que me espanta não é isso: o que me espanta é Salvador Sobral não ter obra que se veja - ou melhor, que se ouça..

Jim Morrison tinha. Tom Waits também. Mercury igualmente. Zappa idem.
Estamos a falar de artistas lendários. Que o público justamente idolatrava, pela qualidade, quantidade e consistência de uma obra que fica na história da música popular.
Eles podiam, estes sim, dar-se ao luxo de nos dar um pouco de sarjeta, pois já nos tinham dado grandes álbuns, enormes pérolas.

E o que tem Salvador para nos apresentar ?

Um álbum. Apenas um álbum. Um único, para amostra.
E que nem me espantava nada que estivesse cheiinho de covers - ou seja, versões de grandes canções, standards, canções que, essas sim, pertencem a verdadeiramente grandes músicos.

Salvador tem uma irmã: Luísa. Que, ela sim, é uma artista de comprovada qualidade e consistência, e que já publicou salvo erro quatro álbuns, com um estilo musical muito pessoal e adulto, e que tem actuado em palcos de renome, aqui e lá fora.

Essa irmã - a sua - deu-lhe de mão beijada uma pequena obra prima melódica, uma letra pejada de poesia verdadeiramente insuperável na sua profundidade e simplicidade.

E mais: 

- Tratou da viagem. 

- Fez a primeira entrevista, em nome do irmão ausente. 

- Cantou no primeiro ensaio. 

- Deu dicas essenciais aos técnicos que filmavam a performance. 

- E, que eu saiba, foi ela a envidar esforços para encontrar colaboração no arranjo musical e também a encontrar a solução para o vídeo da floresta que passava em background. Se estiver enganado, agradeço esclarecimento.

Ela:

. Estendeu a passadeira vermelha ao irmão.
. Entregou o ouro numa bandeja de prata.

Nós:

. O povo português sentiu-o como seu filho.
. Nunca uma pessoa encontrou tanto carinho genuíno.

E a paga é uma piadola de tasca, num momento que se queria único, num concerto em que tiveste o privilégio raro de actuar para finalizar, em homenagem a dezenas de almas que nos deixaram demasiado cedo, da maneira errada.

É pouco, Salvador.
É muito pouco, de tua parte.
Acorda, rapaz.
Ainda vais a tempo.

Lembra-te Sobral: primeiro a obra, só depois o que sobra.

Comentários

Anónimo disse…
Aposto que foi o teu post com mais "views", e a falar de um peido e da importância que (não) tem a pessoa que teve a frase que teve. Só faltou compara-lo com o GG Allin... Oh gentinha pequena sem sentido de humor.
iNdUcAnDo disse…
Diga-me: eu falei de p...o durante o artigo ? Pela boca morre o peixe..
dumoc disse…
Parece uma meretriz pudica a defender a honra do convento, podem em portugal fazer de tudo; meter a mão no bolço, desrespeitar acordos, mentir descaradamente,vigarizar e cagar em cima do pessoal, agora dizer a palavra peifo é que não. Hó gente pequenina da minha terra, eu há muito que não ria tanto.
iNdUcAnDo disse…
Está no seu direito de pensar assim.
Anónimo disse…
O rapaz não lida bem com a pressão da fama. Acontece a muitos. Já lhe custa cumprir os compromissos sem fazer merda. Mas que tem uma certa razão no que disse, tem. Reparam que mesmo depois do dito, o público continuou a aplaudi-lo entusiasticamente. Esta relação publico/artista é muito interessante. Artistas se quiserem conseguem agir como domadores de animais seduzindo uma criança de 4 anos. levam os animais e a criança a fare o querem.
iNdUcAnDo disse…
Sim, a sua perspectiva é verdadeira, isso do artista- domador acontece e o Salvador é mesmo assim, está na sua natureza.
Unknown disse…
Relativamente ao comentário do sr. dumoc: "bolço", "peifo" e "Hó". Não é de admirar que tenha achado tanta piada, pois para entender a falta de capacidade, respeito e contexto do sr. Salvador, é necessário um qb de inteligência.
Francisco: parabéns pelo texto. Infelizmente em Portugal, "a tacanhez, essa há-de ser eterna". Tantos artistas com qualidade e um background sólido que passam ao lado de todos, mas este, cai de pára-quedas e é um herói.
iNdUcAnDo disse…
Realmente, os vários erros ortográficos no comentário não são um bom indicador. Quanto ao Salvador Sobral, a falta de tacto só pode ser explicada pela situação de saúde terrível por que está a passar. No entanto, se não quer participar em concertos apenas tem de dizer: N-Ã-O.

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